A sentença arbitral, no atual sistema processual brasileiro, equipara-se em tudo ao pronunciamento decisório estatal que resolve o litígio, sendo inclusive classificado como título executivo judicial (artigo 515, inciso VII, do CPC).
O árbitro, a seu turno, a teor do artigo 18 da Lei de Arbitragem, é juiz de fato e de direito.
Diante de tais premissas, escolhido de comum acordo pelas partes o Direito brasileiro para reger determinada arbitragem, tal ordenamento jurídico, em todas as suas dimensões, deverá então servir de norte para fundamentar a futura sentença que colocará termo ao respectivo processo arbitral.
Em outras palavras, o tribunal arbitral, para dirimir a controvérsia submetida à sua apreciação, tem o dever inafastável de julgar em consonância com o arcabouço de normas, regras e outras formas de expressão do direito que integram o Direito Positivo brasileiro.
Desse modo, assim como o juiz togado, o árbitro não poderá se afastar da interpretação, acerca de determinado texto legal, que desponta consagrada pelos tribunais pátrios. O precedente judicial, portanto, constitui valioso subsídio para que o árbitro, no processo hermenêutico de subsunção, possa aplicar a lei ao caso concreto, cumprindo adequadamente a missão que lhe foi outorgada pelas partes.
Importa reconhecer que, nessa hipótese, não é propriamente a autoridade hierárquica da qual provém o precedente que determina ao árbitro a sua observância. É por isso que, inexistindo qualquer interdependência funcional entre tribunal estatal e árbitro, não cabe reclamação se o precedente judicial não for aplicado pelo árbitro.
Na verdade, a eficácia persuasiva do precedente e a exigência de segurança jurídica é que impõem o seu respeito pelo tribunal arbitral, sobretudo quando aquele estiver consolidado ou até mesmo, pela reiteração, transformado em súmula. É evidente que se for hipótese de incidência de súmula vinculante, com maior dose de razão, o árbitro não poderá desprezá-la, invocando simples questão de convicção íntima.
Não tem sentido algum admitir que, de um lado, o juiz estatal encontre-se sujeito à incidência do precedente e, de outro, o árbitro esteja livre para afastar a sua observância. Quando nada, maculado estaria o princípio da isonomia, a desacreditar o juízo arbitral.
Ressalte-se, apenas para argumentar, que se o tribunal arbitral tivesse sido constituído para julgar por equidade (e não com base no Direito), poder-se-ia admitir, com efeito, toda liberdade daquele para recusar a incidência da norma ou de determinada orientação jurisprudencial por reputá-la, por exemplo, injusta na situação concreta.
Na “arbitragem de direito”, isso não me parece permitido.
Cumpre enfatizar, contudo, que tanto o juiz togado quanto o árbitro não são “escravos do precedente”, até porque, sendo exigido o dever de motivação para ambos, poderão eles, em igualdade de condições, nas respectivas sentenças, justificar a inobservância de determinada exegese pretoriana.
Seja como for, é também importante ter presente que, se o árbitro tout court não observar o precedente judicial, configura-se error in iudicando e, nesse caso, não cabe ação anulatória da sentença, porque vedado ao Judiciário o controle intrínseco da justiça ou injustiça do julgamento do processo arbitral.
No entanto, a regra do artigo 489, parágrafo 1º, inciso VI, do Código de Processo Civil, a qual, à evidência, também se aplica à arbitragem, é vocacionada à proteção da confiança, quando impede que o juiz (ou árbitro), ao proferir a sentença, despreze súmula ou precedente, colacionado como reforço argumentativo por uma das partes, não tomando o cuidado de explicar que o julgado paradigma não se aplica ao caso concreto, ou mesmo, que já se encontra superado pela obsolescência.
Entendo que, por força do importante aforismo, iura novit curia, mesmo que a tese jurisprudencial, embora relevante, não seja invocada pela parte interessada, a sentença encontra-se eivada de nulidade, se o árbitro desprezá-la de forma injustificada.
Colocando de lado a polêmica acerca da natureza ontológica dos precedentes judiciais, quanto a ser ou não fonte primária de direito, Robert Alexy, em obra específica sobre argumentação jurídica, anota que a primordial justificação da utilização pragmática dos precedentes é ditada pelo “princípio da universalidade” ou da justiça formal, que impõe um tratamento isonômico para situações iguais.
A conciliação entre Justiça e universalidade — segundo referido jurista — pode ser alcançada, em regra, por meio da observância dos precedentes, sem embargo de se admitir o abandono de uma determinada orientação pretoriana, desde que sobrevenham justificadas razões. E, ocorrendo esta hipótese, o ônus da argumentação deve ser imposto ao órgão julgador — estatal ou arbitral — que pretenda afastar-se do precedente. Alexy entende que, nesse particular, o princípio da inércia de Perelman é adequado, com sua exigência de que uma decisão só pode ser alterada se razões suficientes puderem ser aduzidas para tanto.
Alexy formula duas regras gerais do discurso jurídico para a utilização dos precedentes, a saber: a) quando vier invocado um precedente a favor ou contra uma decisão, ele deve, em princípio, ser seguido; e b) quem pretender se afastar de um precedente, tem o ônus da justificação.
Conclui-se, pois, que, nos termos do analisado inciso VI do parágrafo 1º do artigo 489, configurando-se a hipótese aí prevista, o tribunal arbitral, assim como ocorre na esfera do processo judicial, tem o ônus de justificar que a súmula ou precedente invocado pela parte não tem incidência na hipótese concreta.
Caso contrário, a sentença arbitral é passível de controle pelo Poder Judiciário, devendo ser considerada formalmente viciada, por ausência de fundamentação.
Por José Rogério Cruz e Tucci, advogado, diretor e professor titular da Faculdade de Direito da USP e ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de novembro de 2016, 8h05
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