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O descontrole das administrações públicas em gastar e empenhar mais do que arrecadam veio a engendrar um novo mecanismo de apropriação da poupança da sociedade civil: os saques aos depósitos judiciais.
Os depósitos judiciais são contas bancárias sob ordem do Judiciário, nas quais ficam retidos recursos das partes em ações judiciais que exigem alguma forma de garantia. São valores consignados, bloqueados ou penhorados pelo Judiciário, dentre outras situações que, conforme o posterior julgamento da causa, são liberados a uma das partes, o que, não raro, leva vários anos.
Em agosto passado, houve a edição da Lei Complementar 151 permitindo que, nos processos (inclusive administrativos) em que o Estado, o Distrito Federal e os Municípios são parte, 70% dos depósitos judiciais possam ser imediatamente transferidos para conta única do Tesouro do ente federal que atuar na demanda.
Pelo menos oito estados da federação já vêm utilizando de tais saques ou regulamentaram os procedimentos relativos ao repasse dos referidos depósitos a todos os seus órgãos e entidades da administração direta e indireta: Bahia, Ceará, Minas Gerais, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Sergipe e São Paulo.
Trata-se de verdadeiro confisco, em que os recursos de propriedade dos particulares passam a ser usufruídos diretamente pelos entes públicos, em total afronta à Constituição Federal. Sem falar que a prática é ruim também para as finanças públicas no médio e longo prazo, pois os juros ao final devidos pelos entes federais são elevados — a taxa é cerca de três vezes maior do que a praticada pelo BNDES para financiar as noticiadas construções de metrô, porto e outras obras em países vizinhos.
Paira fundada insegurança de que os valores possam não ser devolvidos pontualmente, quando determinado nos processos judiciais. Lembre-se do calote no pagamento dos precatórios, fato corrente em diversos estados da federação, que nada mais é do que o persistente descumprimento do pagamento de condenações judiciais definitivas contra eles.
Os saques aos depósitos judiciais originaram-se no Rio Grande do Sul, cujas contas públicas encontram-se em avançada situação falimentar, acumulando mais de R$ 9 bilhões em precatórios devidos e atrasos que superam uma década — cerca de meio bilhão são honorários sucumbenciais.
Desde 2004, lei estadual autoriza utilização dos depósitos judiciais pelo Estado do RS, com a peculiaridade de que não se limitam aos processos judiciais em que o estado esteja envolvido: todo e qualquer depósito judicial, inclusive aqueles decorrentes de processos entre particulares sujeita-se à tal constrição.
A expectativa de que não haja recursos disponíveis no RS para serem levantados pelas partes quando da liberação nos feitos judiciais é ainda mais elevada, em face do ímpeto dos saques no governo anterior — 9 vezes mais do que no governo que lhe antecedeu — e a recentíssima aprovação pela Assembleia Legislativa da Lei estadual 14.738/15 que amplia para 95% (!) o limite dos saques pelo atual governo.
Sem prejuízo de aguardar o desfecho da ação promovida pela OAB-RS perante o STF, em que é questionada a constitucionalidade da utilização dos depósitos judiciais, é fundamental lembrar que as partes e seus advogados desde já dispõem do instituto da arbitragem como instrumento eficiente para se proteger de tal risco, quando se tratar de processo entre partes privadas.
Já devidamente consolidada pela jurisprudência e pela prática jurídica como forma de solução adequada para controvérsias envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, a flexibilidade da arbitragem permite que eventuais valores em garantia de disputas arbitrais sejam objeto de aplicações financeiras escolhidas pelas próprias partes, remanescendo sob ordem dos árbitros e somente podendo ser liberadas por eles em decisão formalizada nos próprios procedimentos arbitrais. E tal solução não se limita a novos conflitos. Mesmo processos judiciais em curso, com depósitos judiciais fruto de bloqueios e penhoras judiciais, por exemplo, podem ser objeto de arbitragem, desde que todas as partes envolvidas concordem com a extinção da ação judicial e deem início à arbitragem, convencionando a melhor forma de aplicação dos recursos sob ordem dos árbitros.
Sob operação dos bons centros de arbitragem, além das conhecidas vantagens de poder ensejar decisões mais céleres e especializadas, a arbitragem é instituição jurídica que ora pode também conferir esta maior segurança patrimonial às garantias dadas pelas partes para solução de seus conflitos.
Por Ricardo Ranzolin, sócio de Silveiro Advogados, presidente da Comissão Especial de Arbitragem e Conselheiro Seccional da OAB-RS.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de dezembro de 2015, 6h24

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