1. Forma tradicional de gestão dos conflitos no Brasil
Tudo se dá entre o “meu e o teu” que resulta no “nosso” conflito, como elemento intrínseco à existência humana, e cuja eliminação só pode se dar peremptoriamente. O conflito é parte integrante do processo construtivo das relações sociais humanas e, muitas vezes, não pode ser solucionado tão somente pela realidade abstrata da Lei, tampouco pela aplicação da técnica da subsunção do fato à norma, porque isto retira o elemento fundamental do conflito; que é o próprio ser humano. Por isso, ao longa da história humana, os membros da sociedade desenvolveram várias formas de gestão dos conflitos.
Um dos modos de tratamento das controvérsias é chamado de paradigma tradicional da Heterocomposição. A via Heterocompositiva ocorre quando um cidadão ajuíza uma ação contra o Estado e este garante seu exercício por meio do Processo Judicial e pela presença de um terceiro imparcial – Estado Juiz – com a função e o dever de ditar quem será o vencedor e o vencido da demanda.
O modelo da Heterocomposição contribuiu para construção ou, melhor, para impregnação, na Sociedade Brasileira, da chamada da “cultura sentença”[1] – que projeta, na figura do Magistrado, ser ele o único e o verdadeiro guardião das promessas sonegadas e omitidas pelos demais Poderes (Executivo e Legislativo). Além disso, o mencionado modelo também proporcionou a formação de uma geração de profissionais – Bacharéis em Direito – encarregada de peticionar em juízo de forma combativa e contenciosa, judicializando toda e qualquer demanda, num verdadeiro “fetichismo crônico”[2] pela Órgão do Poder Judiciário.
O paradigma tradicional – que se caracteriza pela preferência do Jurisdicionado e dos profissionais do direito em buscarem, primeiramente e, quase sempre, a decisão adjudicada pelo Juiz, é o que tínhamos, em termos de Sistema de Justiça no Brasil, até o ano de 2015. Ocorre que, em razão da crise institucional (litigiosidade) que assola o Poder Judiciário, o modelo tradicional está sofrendo significativas mudanças legislativas.
2. Alterações Legislativas e o novo modelo de gestão dos conflitos no Brasil
Elaboraram-se, desde o ano de 2010, alterações legislativas a fim de combater a crise de litigiosidade e instalar uma nova ordem paradigmática de gestão dos conflitos, cuja tônica é dar efetividade ao resultado processual por meio do empoderamento e da responsabilidade das partes.
A tríade responsável por tais mudanças foram: a) Resolução n. 125 /2010 do Conselho Nacional de Justiça, que atribuiu, ao Poder Judiciário, o dever de gerenciar Políticas Públicas de meios consensuais; b) Lei n. 13.140 de 2015 que instituiu o marco legal da Mediação no Brasil; c) Novo Código de Processo Civil que trouxe os meios consensuais, com o desafio, em especial, para Mediação.
A tríade forma aquilo que se chama de Microssistema Legislativo responsável pela transformação cultural jurídica do sistema contencioso de tratamento dos conflitos, para um novo modelo de Justiça; a coexistencial, consenso ou conciliatória; mais humana, preocupada com o outro, vinculada ao diálogo, autonomia, cooperação e, cujo sistema de ganha x ganha coletivo conduz, em último grau, ao estágio pacificação.
É o sistema de tratamento dos conflitos conhecido como “Justiça Multiportas”, pois, além da porta do Processo Judicial, oferecida pelo Poder Judiciário, o mencionado Órgão também abrirá outras portas para receber os jurisdicionados. Uma das novas portas que se abrem é a da Autocomposição, em especial, da técnica da Mediação Judicial que, em vez de atribuir ao terceiro, o dever de dizer, quem supostamente detém a razão, chama a responsabilidade das próprias partes na solução do problema vivido.
3. A Mediação na Lei n. 13.105/2015 – Novo Código de Processo Civil
O modelo da Autocomposição foi o adotado pelo Novo Código de Processo Civil (NCPC), no seu Capítulo I – Das Normas Fundamentais, em que estabelece, nos artigos 2º e 3º, que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual e, a Conciliação e a Mediação, deverão ser estimuladas por todos. Não significa dizer que se prega o fim do Processo judicial, ao contrário, é apenas uma reestruturação da gestão dos conflitos, enquadrando a espécie ou natureza das controvérsias (exemplos: direitos disponíveis ou não) à modalidade de tratamento mais adequada.
Por isso, quando recebida a petição inicial, o Juiz designará a Audiência de Conciliação ou de Mediação, com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo o Réu ser citado com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência, conforme determina o art. 334 do Novo Código de Processo Civil (NCPC).
No entanto, onde se lê “Audiência de Mediação”, leia-se “Sessão de Mediação”, porque tal ato não será presidido pela autoridade do Juiz. O juiz encaminhará a ação para os Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos – CEJUSCS, que serão criados pelos Tribunais. Por isso, ao Juiz cumpre estimular e indicar o meio consensual da Mediação e não fazê-lo.
Além disso, ao Autor incumbe indicar, na petição inicial, seu interesse ou desinteresse pela Sessão, nos termos do art. 334, § 5º do Novo Código de Processo Civil (NCPC). Entende-se que, no caso de interesse pela Sessão, o Autor deverá indicar qual o mecanismo entende adequado – se Mediação (conflitos que se perpetuam no tempo) ou Conciliação (conflitos transitórios). E, no caso de desinteresse, deverá fundamentar as razões que tornam inadequadas o manejo dos mecanismos. Ao Réu, segundo o §5º do mencionado art., também incumbirá apresentar, por petição escrita, com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência, seu interesse ou desinteresse pela Sessão.
Dessa forma, o Advogado será o responsável por fazer a primeira filtragem adequada da causa, gerenciando a natureza do conflito com a porta de tratamento que entende mais adequada. Se antes o Advogado peticionava diretamente requerendo a litigância presente no Processo Judicial, agora, deverá justificar o uso ou não de outro método de solução dos conflitos.
Ademais, no caso de ambos – Autor e Réu – manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual, a Sessão não ocorrerá. No entanto, havendo interesse de alguma das partes, a Sessão será feita e, caso não haja o comparecimento, seja do Autor ou do Réu, àquele faltante será sancionado com multa de até 2% sobre a vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado, conforme o art. 334, §8º, do Novo Código de Processo Civil (NCPC), por ser considerado ato Atentatório à Dignidade da Justiça.
Assim, o Novo Código de Processo Civil (NCPC) é uma regra aplicável naquilo que não for incompatível com a Lei de Mediação. No caso de incompatibilidade, as normas da Lei de Mediação serão aplicadas em razão do critério da especialidade. De toda forma, as duas normas adotam o conceito de Mediação como sendo a atividade técnica exercida por terceiro imparcial que, sem poder decisório, auxilia e estimula as partes na identificação e desenvolvimento de soluções consensuais para a controvérsia.
Destacam-se, também, em ambas Leis, os seguintes princípios, entre outros[3]: a) Autonomia: prevalece a vontade e a liberdade das partes em submeter-se ao procedimento e dispor dos seus direitos; b) Oralidade: toda a Sessão desenvolve-se oralmente entre os participantes e o Mediador; c) Confidencialidade: os fatos, questões e as propostas de acordo são confidenciais, não podendo importar em futura confissão à qualquer parte. Por isso, ratifica-se que ao Juiz cumpre estimular a Mediação e não fazê-la, porquanto, se as partes não chegarem ao acordo, o Processo Judicial retoma o seu curso natural, não podendo o Magistrado ser influenciado no seu livre convencimento.
Essa é a porta, portanto, descrita pelo NCPC, acerca do procedimento da Mediação Judicial, mas outras portas também existem como as: a) Conciliação Judicial ou Extrajudicial; b) Mediação Extrajudicial, prevista no art. 21 da Lei de Mediação; c) Arbitragem da Lei 9.0307/96, cujos objetivos são fomentar o Sistema de Justiça Multiportas e colocá-lo à disposição do cidadão para dar efetividade e cumprimento no resultado de consenso.
4. Consideração Final
Se por um lado, o Novo Código de Processo Civil (NCPC) inseriu a técnica da Mediação de Conflitos como uma etapa (fase) do seu procedimento, desqualificando o mecanismo como fonte autônoma de solução das controvérsias entre os particulares, dando-lhe efeito endoprocessual inclusive, proporcionou, por outro, a conscientização dos profissionais do direito acerca do movimento jurídico – cultural da gestão consensual dos conflitos e da necessidade de chamar a responsabilidade das partes na construção de um acordo para o seu próprio problema.
Notas e Referências:
[1] Expressão de Kauzo Watanabe. Mais informações: WATANABE, Kazuo. Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses – Utilização dos meios alternativos de resolução de controvérsias. 1 ed. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2013, p. 229.
[2] Expressão de Kauzo Watanabe. Mais informações: WATANABE, Kazuo. Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses – Utilização dos meios alternativos de resolução de controvérsias. 1 ed. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2013, p. 229.
[3] Na Lei de Mediação – Lei n. 13.140/2015, destacam-se os seguintes princípios: art. 2o A mediação será orientada pelos seguintes princípios: I – imparcialidade do mediador; II – isonomia entre as partes; III – oralidade; IV – informalidade; V – autonomia da vontade das partes; VI – busca do consenso; VII – confidencialidade; VIII – boa-fé. No NCPC – Lei n. 13.105/2015, destacam-se os seguintes princípios: art. 166. A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada.
WATANABE, Kazuo. Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses – Utilização dos meios alternativos de resolução de controvérsias. 1 ed. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2013.
Por Jéssica Gonçalves, Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Formada pela Escola da Magistratura do Estado de Santa Catarina. Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Pós-Graduada em Direito Aplicado pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Fonte: Empório do Direito – 18/04/2017
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