(Texto: Filipe Starke – 23/08/2021)


O ano é 1990. Miriam, funcionária de um banco estatal, em um ato de coragem decide seguir um sonho antigo e resolve abrir uma galeria de arte.

Miriam tem uma filha de 5 anos, Sofia. Seu marido Marcos tem um emprego estável, mas não ganha o suficiente para sustentar a família sozinho, pelo menos não no padrão de vida a que estão acostumados. Portanto, Miriam não poderá largar seu emprego imediatamente. A família tem apenas uma pequena conta poupança, para momentos de emergência. Não há reservas suficientes para arcar com os custos iniciais para a abertura de uma empresa.

Miriam tem que pedir dinheiro para seus pais. Eles emprestam uma quantia suficiente para dar os primeiros passos. Mas logo o dinheiro não será suficiente. Miriam então procura o banco onde trabalha e pede um empréstimo, a ser descontado diretamente de seu salário, pagando juros mensais e capitalizados (juros sobre juros).

De alguma maneira Miriam consegue conciliar o trabalho no banco e a maternidade com o início da empresa, dá um jeito de pagar as contas e, depois de alguns anos, passa a ter uma pequena galeria de arte que paga as contas e é bem conhecida na região, podendo finalmente se dedicar a seu empreendimento.

Estamos em 1993 e Miriam sabe que precisa expandir, então consegue um novo empréstimo no banco e aluga um imóvel maior, possibilitando oferecer mais obras de arte à venda. Além disso, agora consegue realizar eventos para atrair admiradores de arte. Por outro lado, sabe que precisa devolver o novo empréstimo com juros. Sabe também que é a fiadora desse empréstimo, o que significa que se não conseguir pagar sua dívida responderá pessoalmente, inclusive com seus bens particulares.

Os anos passam e a galeria cresce e passa a ser uma das principais do estado, sendo conhecida nacionalmente.

Passamos agora para 2021 e Sofia (a filha de Miriam) está trabalhando com sua mãe na administração da galeria. Seu desafio profissional é trazer a tecnologia do blockchain para a galeria. Blockchain é um sistema descentralizado utilizado para registrar informações com segurança e de forma digital. A veracidade das informações registradas não é garantida por uma administração central, mas sim pela autenticação descentralizada das informações por diversos participantes, normalmente com a utilização de criptografia.

A tecnologia do blockchain tem uso no mercado artístico, pois serve para garantir a originalidade e a titularidade das obras de arte. Também pode registrar, com segurança, quem eram os antigos proprietários da obra, a data de criação, o local onde foi feita e os valores pelos quais foi vendida, o que serve, inclusive para trazer segurança jurídica e valorizar o trabalho dos próprios artistas.

A representação das obras de arte através tecnologia blockchain gera o que é chamado de NFT (non-fungible token). O NFT pode ser utilizado tanto para obras digitais quanto para obras tangíveis, tais como esculturas, pinturas em tela e assim por diante. Diz-se que uma obra é tokenizada quando ela passar a utilizar essa tecnologia de registro.

Sofia sabe que a galeria de arte da família precisa ir para esse caminho. Sabe também que não é mais necessário recorrer à família ou aos bancos caso pretenda aumentar suas operações, investindo em profissionais que possibilitem a tokenização das obras de arte da galeria.

Cada vez é mais comum, mais fácil e mais seguro que empreendedores alavanquem as suas operações através do capital de investidores. Isso porque hoje temos a assinatura por certificado digital e uma séria de plataformas online que permitem contratar, com todas as formalidades necessárias, de forma amplamente negociada e segura.

Além disso, outro fator determinante para a ampliação dos investimentos com todo tipo de investidor decorre do desenvolvimento da arbitragem para a solução de conflitos.

A arbitragem é um método de solução de conflitos, aplicável a situações que envolvem patrimônio de particulares. Em caso de conflito entre os envolvidos não se recorre ao Poder Judiciário, mas sim a um árbitro, escolhido em comum acordo. Normalmente a escolha desse árbitro se dá através de uma Câmara de Arbitragem, instituição especializada no assunto.

Se seguir todas as formalidades legais, a decisão do árbitro, ao final do processo arbitral, tem o mesmo peso da sentença judicial e pode, inclusive, ser levada a execução. A arbitragem tem lei própria e reconhecimento pelo STF, sendo considerada juridicamente segura.

A utilização da arbitragem é bastante adequada para os contratos de investimento, pois permite soluções mais céleres para os conflitos, além de garantir o sigilo e a presença de um especialista para a solução da questão.

Existem diversas formas para trazer investidores para uma empresa, tudo depende dos objetivos.

A forma mais comum é trazer o investidor para dentro da sociedade empresária, passando a se tornar sócio em todos os direitos e deveres, inclusive na participação dos resultados. No entanto, é necessária muita cautela para se trazer um novo sócio. Nesse caso deve se buscar alguém com afinidade e confiança, tendo ciência de que se inicia uma relação de longa duração.

Ainda que se pretenda abrir parcela do capital social da empresa para um novo sócio, é muito utilizado o contrato com cláusula de vesting, em que fica pré-determinado quais são os objetivos que o novo sócio deve atingir para ter direito a adquirir a participação da empresa. Por exemplo: desenvolver um determinado aplicativo ou atingir um mercado ainda não alcançado. Só com o atingimento dos objetivos é que ele passa a ter direito de participação.

Outra possibilidade é estruturar uma Sociedade em Conta de Participação (SCP), em que os investidores vão participar dos lucros (ou prejuízos) apenas sobre um empreendimento específico da empresa e por período pré-determinado, não passando a ser sócio propriamente dito. A empresa continua sendo de titularidade dos sócios originais. Pela SCP apenas a empresa investida aparece perante terceiros e a relação com o investidor permanece sigilosa.

Existem outras diversas ferramentas jurídicas que podem ser utilizadas: mútuo conversível em participação social, emissão de ações preferenciais sem direito a voto, até outras formas mais complexas, tais como a abertura do capital social em bolsa de valores. Nada impede também a utilização de instituições financeiras tradicionais, através de empréstimos.

Quanto ao perfil dos investidores, existem desde os chamados FFFs (friends, family and fools), ou seja, aquelas pessoas próximas que investem na empresa mesmo antes de ela ter algum produto, sendo que tudo que têm é a confiança no empreendedor.

Num momento posterior, existem os investidores-anjo, aqueles investidores que ainda apostam na empresa em um período inicial, mas em um momento em que esta já tem algum produto a oferecer e talvez até algum faturamento, apesar de ainda não serem exatamente lucrativas.

Mais para frente há investidores organizados e institucionalizados, tais como fundos de investimento profissionais, que buscam empresas promissoras e em estágio mais avançado para aportar capital.

Por fim, através da bolsa de valores, com a abertura do capital social da empresa que esteja em estágio mais avançado é possível oferecer os investimentos para o público em geral em bolsa de valores.

No caso de Sofia, acima relatado, ela precisava desenvolver uma ferramenta de NFT para dar segurança e modernidade para as transações de sua galeria de arte. Ela optou por formar uma SCP, tendo como participantes investidores de uma associação de investidores local. Com isso poderá levantar o capital necessário para desenvolvimento da tecnologia, garantindo aos investidores participação nos resultados pelo período de dez anos. Isso garantirá que sua família não perca o controle da galeria, além de trazer desenvolvimento tecnológico para a empresa e retorno financeiro para os investidores.

Sofia também optou por utilização cláusula de arbitragem em seu contrato de investimento, o que trouxe conforto para os investidores, que sabem que eventual conflito será resolvido de forma eficiente.

Esperamos ter demonstrado que com a tecnologia de informação, o desenvolvimento da arbitragem e as diversas possibilidades de se contratar investimentos, os empresários passam a ter diversas possibilidades para expandir seus negócios, sem necessariamente ter que recorrer a instituições financeiras ou ao seu capital próprio. Esse cenário permite o desenvolvimento econômico e social.


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