No âmbito da jurisdição estatal, pendente o processo em grau recursal, em determinadas ocasiões, cada vez mais frequentes, os advogados das partes, como é notório, procuram agendar com o desembargador relator e, ainda, com os demais integrantes da turma julgadora, a entrega em mãos de memoriais, que podem efetivamente trazer algum subsídio útil, em matéria de fato, à formação da convicção de quem irá julgar o respectivo recurso.
Esta praxe, mais rara no passado, tem sido reiterada na medida em que aumenta o número de recursos que são julgados nas sessões de julgamento. É dizer: a entrega de memoriais infunde a ideia, nos advogados, de que os componentes da câmara prestarão mais atenção, ao ensejo do julgamento, em certo detalhe considerado relevante.
Como a pletora de feitos a serem julgados é extraordinária, qualquer subsídio útil e consistente deve ser recebido com bons olhos!
De fato, a despeito de conhecidos entraves opostos por uma minoria de desembargadores para se conseguir marcar dia e hora, a audiência com eles, em algumas situações específicas, pode realmente trazer o benefício esperado, sobretudo se o advogado for bem objetivo e se restringir a expor o ponto fático fulcral que justifica o contato pessoal com o magistrado. A experiência revela que o causídico não deve procurar os desembargadores do recurso para explicar matéria de direito, em razão do velho e sábio aforismo iura novit curia, vale dizer, da presunção de que o tribunal conhece as regras de direito!
Assim, de uma forma ou de outra, com ou sem dificuldades, embora despido de qualquer previsão legal, esse hábito está efetivamente arraigado em nossa prática forense, seja perante os tribunais estaduais e regionais federais, seja nos domínios dos tribunais superiores.
A rigor, atualmente, enquadra-se ele na perspectiva da cooperação das partes para a efetividade do processo, em todos os sentidos, a teor da regra do artigo 6º do Código de Processo Civil. É de ter-se presente, neste particular, que, além de circunstância de natureza técnica, que impõe a cooperação, valores de deontologia forense, sobrelevados pelos operadores do Direito — juízes, promotores e advogados —, também se inserem na esperada conduta participativa, dentre elas, a disposição do magistrado em ouvir as partes, por intermédio de seus respectivos procuradores.
Pois bem, atuando como árbitro, na esfera do processo arbitral já me ocorreu, pelo menos em duas recentes ocasiões, ser procurado pelo advogado de uma das partes, após o encerramento da instrução da causa, para a entrega pessoal de memoriais. E isso tudo, mesmo já tendo sido apresentadas as razões finais que, a exemplo de todos os arrazoados, são encaminhadas aos árbitros integrantes do tribunal arbitral!
É certo que nada há na literatura nacional e estrangeira acerca desta delicada questão.
Não é ocioso recordar que, no âmbito da arbitragem, as coisas se passam de forma um tanto diferente do que se verifica na jurisdição estatal. Em primeiro lugar, os árbitros que compõem o tribunal arbitral submetem-se necessariamente ao escrutínio das partes. Os árbitros, em regra, não se debruçam sobre uma verdadeira avalanche de processos. Por mais ocupado que o árbitro seja, ele certamente se lembra dos pormenores do caso, das pretensões das partes, das provas colhidas em audiência, até porque os atos processuais no procedimento arbitral se realizam, de um modo geral, em interregnos de tempo bem mais exíguos, se comparados com as vicissitudes do processo estatal. Ademais, ao presidente do painel arbitral cabe esquadrinhar a demanda e compartilhar com os outros coárbitros, que também já examinaram os autos, as suas impressões sobre as vertentes e consequências que a futura sentença irá conter. Em suma: a causa é debatida a fundo entre os integrantes do tribunal arbitral, normalmente composto por profissionais capacitados; sendo exceção, em nossa experiência jurídica, a arbitragem com árbitro único.
Com muita probabilidade, estes aspectos, conjugados, demonstram a absoluta inocuidade de o árbitro se reunir com o advogado da parte para receber memoriais. Entendo, pois, desnecessário e dispensável este expediente no iter do procedimento arbitral.
Estes importantes argumentos, contudo, longe estão de significar que o árbitro não possa ouvir, em caráter excepcional, o advogado de uma das partes que lhe pretende entregar em mãos memoriais escritos.
Todavia, como o árbitro não possui gabinete em próprio público, terá ele de tomar algumas cautelas que reputo inafastáveis. Havendo mesmo insistência do advogado, que não se satisfaz com a oferta das alegações finais e, ainda, com o protocolo dos memoriais na câmara arbitral, o árbitro, antes de mais nada, agendando dia e horário, deverá comunicar o ocorrido aos demais coárbitros. Em seguida, orientará a respectiva secretaria da câmara a informar os advogados da outra parte de que o árbitro agendou dia e horário — exclusivamente para a entrega de memoriais, nas dependências da instituição perante a qual o processo arbitral se desenrola — com o procurador do litigante adversário.
Recebidos os memoriais das mãos do causídico e possivelmente eventual esclarecimento adicional, na presença ou não do outro advogado, o árbitro solicitará à secretaria que junte a peça nos autos, providenciando a sucessiva remessa de cópia aos coárbitros e aos advogados da parte contrária.
Não se pode olvidar, por fim, que, para evitar qualquer dúvida, parece-me correto afirmar que a garantia do contraditório, expressamente contemplada no artigo 21, § 2º, da Lei 9.307/96, não implica o dever de o árbitro, fora dos atos procedimentais ordinários, designar audiência para o advogado da parte, a requerimento deste, visando a receber, em mãos, memoriais escritos.
Por José Rogério Cruz e Tucci, advogado. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2018, 8h00
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