O advento da Lei nº 13.140/2015, que instituiu a denominada lei de mediação e o início de vigência do novo Código de Processo Civil, determinou a realização de audiência de conciliação ou de mediação como ato inaugural do processo. Isso conduz os operadores do direito e toda sociedade brasileira a reflexões importantes sobre a utilização deste meio consensual para solução de conflito.
A Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil estabelece no inciso XXXV do Artigo 5º (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Em outras palavras, sempre que um sujeito de direito estiver diante de situação fática ou jurídica que o exponha à eventual violação ou ameaça de direito, assiste ao detentor do direito a garantia fundamental de invocar o Poder Judiciário para apreciar, deliberar e dispor sobre a possível ofensa.
Assentado sob este fundamento constitucional permeia pelo Poder Judiciário da nação brasileira aproximadamente 110 milhões de processos. Considerando a população de aproximadamente 205 milhões de habitantes e que cada processo demanda ao menos duas partes, é razoável afirmar, ao menos do ponto de vista estatístico, que toda a nação busca amparo jurisdicional para ver reconhecido um determinado direito.
Este não é um quadro saudável. A uma porque denota uma sociedade propensa ao litígio e exposta aos efeitos sociais dele decorrentes; mesmo uma renúncia ao papel de buscar solver o conflito, restaurar relacionamento, antes de invocar o Estado. A duas porque a máquina do Poder Judiciário não se encontra habilitada para lidar com números tão expressivos de processos.
É neste contexto que a mediação enquanto forma consensual de solução de conflitos se apresenta como alternativa de verdadeiro fortalecimento do sujeito de direito, que em vez de simplesmente transferir ao Estado a atribuição de apreciar o conflito, reserva para si, a faculdade da disposição final sobre uma pretensão resistida.
A mediação é instituto que se assenta sobre os princípios da autonomia da vontade das partes, na busca do consenso, na boa fé. Caracteriza-se pela busca do equilíbrio nas relações jurídicas, ainda que conflituosas, mas sem dar ensejo à figura do perdedor. É a propagação da cultura do “ganha/ganha”. É um processo de restauração dos relacionamentos; de fortalecimento do sujeito de direito, pois devolve a ele o papel de ator principal para solucionar a controvérsia.
A mediação se presta a resolver um problema que parece insolúvel, ou seja, o congestionamento da máquina do Poder Judiciário. A consolidação de uma cultura voltada à mediação, por meio da aplicação dos princípios já citados, além de fortalecer a sociedade, tornará o Poder Judiciário mais eficiente, pois destinará sua estrutura para a solução de casos que efetivamente não podem ser objeto de mediação ou aqueles que não foram resolvidos após os esforços de solução consensual.
Nos Estados Unidos da América, já no final do século XIX e começo do século XX, iniciou o fortalecimento do instituto da mediação. Atualmente, de acordo com as estatísticas disponíveis, dos casos levados ao Poder Judiciário, entre 42% a 54% deles são resolvidos em seu estágio inicial, por meio da mediação.
Recentemente, acompanhando o Juiz Americano, John Clifford Wallace, especialista em mediação e Juiz Federal da Corte de Apelação para o Nono Circuito, em visitas no Brasil, disse comparar o Poder Judiciário a um cano, que tende a entupir, se os casos não forem solvidos por métodos consensuais, como a mediação. Refere-se que investidores podem lidar com perdas, mas não podem lidar com a dúvida ou incerteza de quanto tempo um processo demorará pare ser julgado. Destaca ainda que em seu tribunal possui apenas 29 juízes de apelação, para uma área geográfica de 9 Estados, incluindo Hawai e Alasca. Para comparação, o Tribunal de Justiça de São Paulo possui 360 desembargadores.
A realidade americana foi construída em um processo histórico. Não se formou de um dia para outro. De qualquer forma, o exemplo americano de utilização de métodos alternativos para solução de conflitos é encorajador. No entanto, o sucesso desses métodos em solo pátrio dependerá profundamente de uma mudança de paradigma, de alteração de mentalidade, tanto da sociedade como dos operadores do direito. Dependerá de mudança de cultura e do deslocamento do pêndulo mais para o sujeito de direito, enquanto ator principal para solver controvérsias, que a manutenção do “status quo”, ou seja, o Estado detendo o monopólio da entrega da justiça, em detrimento de uma atuação mais efetiva dos titulares do direito.
Por Ricardo Cerqueira Leite, sócio fundador da Cerqueira Leite Advogados.
Fonte: Revista Fator Brasil – 22/10/2016
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