O serviço não prestado por uma empresa contratada e a falta de acordo para solucionar a questão foram os motivos que levaram o servidor público Willans dos Santos a procurar a Justiça de conciliação, em Brasília. Ele havia contratado a firma para providenciar a documentação do imóvel que pretendia comprar, mas o serviço não foi prestado dentro do prazo e o servidor acabou perdendo o negócio. Como a empresa não aceitou devolver o dinheiro, o caso foi parar na Justiça e o conflito foi levado para uma audiência de conciliação.
“A conciliação é uma forma de resolver os conflitos em que as pessoas envolvidas, com a ajuda de um conciliador, vão conversar e construir um acordo”, afirmou a juíza Luciana Sorrentino, coordenadora do Núcleo Permanente de Mediação e Conciliação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT). Para ela, o uso da conciliação e da mediação é benéfico para os envolvidos. “Reduz o tempo de tramitação do processo, o custo emocional e financeiro, de se estar tocando um processo por um longo prazo”.
A Semana Nacional da Conciliação 2016, promovida anualmente pelo Poder Judiciário, será realizada entre os dias 21 a 25 de novembro em todo o país. Será a 11ª edição da mobilização nacional, com o objetivo de buscar soluções alternativas aos conflitos apresentados à Justiça. Assim como a mediação, a conciliação é orientada pela Resolução n. 125/2010, do CNJ, que instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos.
Único encontro
Em um único encontro, o servidor Willans e a empresa que não prestou o serviço contratado chegaram a uma solução para o caso. “A minha perspectiva é que fosse um processo demorado. Mas como foi resolvido em uma única audiência, que durou uns 20, 30 minutos, fiquei satisfeito”. O dinheiro foi devolvido e as duas partes, que não chegavam antes a uma solução para o conflito, saíram com o caso resolvido com a ajuda do conciliador.
“Ele conduziu a conversa sempre no sentido de buscar um acordo, convencer ambas as partes a ceder um pouco. Eu abri mão da atualização do valor e também aceitei o parcelamento dessa devolução. Em contrapartida, o representante da empresa aceitou a devolução do valor integral que havia sido pago”, disse o servidor.
O mecanismo usado para resolver o caso de Willans vem sendo incentivado no país há alguns anos. Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou uma resolução que estimula a conciliação e a mediação. Os dois recursos também foram incluídos no novo Código de Processo Civil (CPC), que entrou em vigor este ano.
“O CPC trouxe tudo isso [conciliação e mediação] para a fase inicial do processo, porque, antes, estava localizado mais para frente. Então, depois da contestação, depois da especificação de provas é que se fazia a audiência conciliação. Agora não. Agora, o autor ajuiza a ação, e o juiz, se receber a inicial, já tem que designar a audiência”, explicou a juíza.
Atualmente, a mediação e a conciliação podem ser feitas tanto pela Justiça quanto por câmaras privadas, e o conciliador não precisa ser necessariamente uma pessoa formada em direito, mas deve ser capacitado, de acordo com o exigido pelo CNJ. Hoje, já é possível mediar inclusive pela internet por meio de um sistema disponibilizado pelo CNJ.
Conciliação no país
Para que os resultados do uso desses mecanismos possam ser avaliados, o CNJ incluiu, pela primeira vez, os índices de processos resolvidos por meio de acordos em uma pesquisa que publica anualmente. A 12ª edição do estudo Justiça em Números, lançado esta semana, já trata da conciliação e mediação.
O novo indicador mostra o índice de homologação de acordos, revelando também o resultado das políticas de estímulo à conciliação e à mediação no Brasil, que é uma das linhas de atuação do Conselho Nacional de Justiça, desde a sua implantação, segundo o estudo. “O índice de conciliação é a medida inicial para avaliar as consequências das recentes alterações determinadas pelo novo Código de Processo Civil”, diz o texto.
A pesquisa, que utiliza informações da base de dados dos tribunais, mostrou que em todo o Poder Judiciário, em média, 11% das ações foram solucionadas em 2015 por meio de acordos, o que, segundo o CNJ, corresponde aproximadamente a 2,9 milhões de processos. A Justiça que mais conciliou no ano passado foi a trabalhista. Segundo o relatório, 25% – cerca de 1 milhão de processos – chegaram a acordos. A Justiça estadual chegou ao índice de 9%, seguida da federal com 3%, e a eleitoral, com 1% de casos com acordos mediados.
“A tendência é que estes percentuais aumentem, tendo em vista a entrada em vigor, em março de 2016, do novo Código de Processo Civil (Lei n 13.105, de 16 de março de 2015), que prevê a realização de uma audiência prévia de conciliação e mediação como etapa obrigatória, anterior à formação da lide, como regra geral para todos os processos cíveis”, diz o estudo.
A pesquisa indicou também que na Justiça estadual, entre os tribunais de Justiça considerados de grande porte, o do Rio de Janeiro foi o que mais conciliou apresentando um índice de 14% de acordos homologados. Na categoria médio porte, a Bahia solucionou 18,1% das ações por meio de acordo. Entre os de pequeno porte, o TJ de Sergipe foi o que mais conciliou e atingiu o índice de 21,7%. Já na justiça trabalhista, o TRT19, em Alagoas, teve o maior índice de conciliação atingindo 38,3%.
Outro índice apresentado foi o de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), locais onde as conciliações e mediações realizadas pela justiça acontecem. “Em relação aos referidos centros, a Justiça Estadual passou de 362 em 2014 para 649 CEJUSCs no ano de 2015, o que representa um aumento de 79%. Cerca de 24% dos centros estão localizados no estado de São Paulo”, diz a pesquisa.
Benefícios
O advogado Danilo Prudente é mediador e já fez mais de 400 audiências. Para ele, a mediação ocorrida dentro da Justiça precisa ser bem pensada, para que o Poder Judiciário não seja abarrotado pelo mecanismo. “Mas, com certeza, as mediações já conseguem reduzir bem o número de processos e com soluções mais adequadas, soluções que promovem à parte muito mais satisfação e muito mais compreensão de que a justiça foi efetivamente realizada.”
Segundo o advogado, mais do que diminuir o número de processos, os mecanismos trazem satisfação para quem resolve o problema. “A gente não está ajudando a só tirar processo da prateleira, estamos ajudando a mudar uma cultura. Pessoas que voltaram a conversar, pessoas que estarão mais empoderadas para, na próxima vez que tiverem um problema, tentar resolver por si próprias, tentar conversar antes de ajuizar uma ação. Acho que esse é o grande beneficio que talvez possamos perceber a longo prazo”.
O uso da mediação e da conciliação, de acordo com Sorrentino, ajuda as partes a encontrarem soluções diferentes daquelas previstas inicialmente no processo. Ele ressaltou que o foco principal pode não estar somente no fato de se chegar a um acordo. A comunicação restabelecida, na sua opinião, é uma das vantagens do processo. “Na conciliação e na mediação, conseguimos ir atrás dos interesses reais das partes e, muitas vezes, em muitos casos, conseguimos até soluções fora do que foi pedido no processo, soluções muitas vezes surpreendentes. É muito interessante você conseguir ver que, ao final de uma sessão de mediação, mesmo com ou sem acordo, algumas vezes as partes, que chegaram brigadas, saem de lá conversando, estabelecendo uma comunicação.”
A grande questão, de acordo com o advogado, é que “se não tem comunicação, não tem possibilidade de acordo. Então, abrir a comunicação já é um grande ganho na mediação e na conciliação. Com tudo isso acho que é uma forma muita vantajosa de resolver conflitos, até pela celeridade, a possibilidade de resolver com poucas sessões”.
Fonte: Isto É, 23.10.16 – 13h42
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