No último mês do ano de 2017, a Câmara de Vereadores do Município de São Paulo aprovou o Projeto de Lei nº 577/2017 (“PL 577/2017”), que autoriza a inclusão das chamadas Juntas de Solução de Conflitos nos contratos administrativos de execução de obras públicas. O texto foi encaminhado para sanção do Prefeito. É o primeiro projeto de lei de que se tem notícia no Brasil (nos âmbitos federal, estadual e municipal) tratando desse assunto.
As Juntas de Solução de Conflitos, conhecidas internacionalmente como dispute boards, podem ser entendidas como comitês técnicos, formados por especialistas no objeto contratual, que acompanham a execução do contrato desde o início e podem ser chamados para dirimirem conflitos eventualmente surgidos ao longo da execução contratual.
O PL 577/2017 repete os dizeres da Lei federal nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 (“Lei de Arbitragem”), com a redação dada pela Lei federal nº 13.129, de 26 de maio de 2015, ao preceituar que apenas conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis é que estão sujeitos ao encaminhamento para as Juntas de Solução de Conflitos. Numa rápida comparação, as Juntas poderiam cuidar de assuntos relativos às mudanças no objeto contratado (inclusão de serviços, quantitativos etc.), aos prazos de execução, impactos no equilíbrio econômico-financeiro etc.
Os dispute boards podem assumir diferentes funções. Nesse sentido, o PL 577/2017 estabelece duas delas: Juntas com características revisoras, orientadas para a proposição de recomendações não vinculantes aos contratantes, e Juntas com características adjudicativas, orientadas para a proposição de decisões vinculantes aos contratantes (mas sujeitas ao controle jurisdicional ou arbitral, se o caso). O PL 577/2017 também autoriza que as Juntas tenham características mistas de revisão e de adjudicação, nos limites estabelecidos contratualmente ou a posteriori.
Também, o PL 577/2017 estabelece que essas Juntas deverão ser compostas por 3 (três) pessoas imparciais, independentes, competentes e de confiança dos contratantes, sendo elas preferencialmente 2 (dois) engenheiros e 1 (um) advogado. Sem dúvidas, o objetivo da norma é dotar o dispute board de conhecimento técnico e jurídico daquele conflito que lhe é submetido, agregando segurança da proposição tomada pela Junta (revisora ou adjudicativa).
Além disso, o PL 577/2017 autoriza que as Juntas de Solução de Conflitos sejam administradas por instituições especializadas ou que sejam administradas pelas próprias partes contratantes, nos termos de regulamentação constante do próprio contrato administrativo ou de regulamentação posterior.
Aqueles com experiência em contratos públicos já devem ter se deparado com essas Juntas de Solução de Conflitos, especialmente em contratos de concessão, dada a permissão legal para tanto (art. 23-A da Lei federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 e art. 11, III da Lei federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004). No entanto, em contratos de obras públicas “puros”, regidos essencialmente pela Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a ausência de regulamentação normativa muitas vezes impedia a adoção desse mecanismo, tornando a solução de conflitos entre as partes um verdadeiro pesadelo (não se esqueça que no regime desses contratos de obras públicas “puros”, a arbitragem também sempre enfrentou grande resistência pública, estreitando a resolução de conflitos entre as partes apenas para o Poder Judiciário).
É por isso que, sem dúvidas, o PL 577/2017 representa um significativo avanço para as relações contratuais públicas, disciplinando de forma expressa e clara a possibilidade de utilização desse mecanismo de solução de conflitos. Aliás, é exatamente nesse sentido que a justificativa do PL 577/2017 relembra que “[e]mbora já exista permissivo legal para utilização de métodos alternativos de solução de controvérsias pela Administração Pública, não existe, ainda, autorização literal para emprego das Juntas de Solução de Conflitos”.[1]
A tendência de desjudicialização de conflitos envolvendo a Administração é cada vez mais marcante. O Projeto de Lei do Senado nº 559/2013, para alteração da Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, prevê meios alternativos de resolução de conflitos, como os comitês de resolução de disputas (cf. art. 86, § 3º do PLS 559/2013), mas a Câmara de Vereadores de São Paulo se antecipou e caminha na sua própria regulamentação. Resta-nos aguardar postura que será adotada pelo Prefeito da maior cidade do Brasil.
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[1] A justificativa do PL 577/2017 faz menção à Lei federal nº 13.140, de 26 de junho de 2015, que trouxe de forma expressa a autocomposição e a mediação de conflitos envolvendo a Administração, novamente, sempre de conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Por Gabriela Silvério Palhuca, associada das áreas de Infraestrutura e Regulatório do Tauil & Chequer Advogados
Fonte: Jota – 03/03/2018 – 05:30
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