O artigo 4º, II da Lei Complementar 80/1994 dispõe ser função institucional da Defensoria Pública promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos. A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos, aliás, “deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público” (conforme artigo 3º, parágrafo 3º do CPC).
Como informa Fernanda Tartuce:
“Ante a ineficiência na prestação estatal da tutela jurisdicional, especialmente pelo perfil contencioso e pela pequena efetividade em termos de pacificação real das partes, os meios diferenciados vêm deixando de ser considerados ‘alternativos’ para passar a integrar a categoria de formas ‘essenciais’ de composição de conflitos (jurídicos ou sociológicos), funcionando como efetivos equivalentes jurisdicionais ante a substituição da decisão do juiz pela decisão conjunta das partes”[1].
De tão importante, a previsão de atuação extrajudicial da Defensoria Pública passou a constar expressamente no texto da Constituição Federal com o advento da Emenda Constitucional 80 de 2014:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.
Diversos instrumentos podem ser utilizados com tal finalidade. O próprio inciso II do artigo 4º, acima citado, menciona a mediação, a conciliação e arbitragem, finalizando com a previsão de que poderão ser ainda utilizadas “demais técnicas de composição e administração de conflitos”. Essa cláusula revela que o rol ali constante é exemplificativo.
No Direito Comparado, é possível identificar diversas técnicas “alternativas” (ou diferenciadas) de solução de controvérsias. Merece destaque, “além das clássicas negociação, mediação e conciliação, a figura do ombudsman, instituição com a tarefa de pesquisar queixas e prevenir disputas, facilitando sua resolução interna corporis”[2].
Por suas atribuições e disciplina normativa, a Defensoria Pública tem potencial e perfil para exercer o papel de ombudsman, sem exclusão de outros atores que possam, igualmente, desempenhar o papel. A autonomia da instituição e suas finalidades institucionais permitem concluir que a Defensoria Pública exerce a função de ombudsman, conforme concluiu Daniel Sarmento. Para o estudioso, as características institucionais e a missão constitucional da Defensoria Pública permitem o seu enquadramento como ombudsman[3].
A busca pela solução extrajudicial, visa, indubitavelmente, reduzir o volume de demandas judicias, combatendo o grande número de judicializações e ajudando a desafogar a máquina judiciária, nada obstante não se vede a homologação judicial dos acordos celebrados. Nessa linha, a legislação previu que o acordo realizado com a participação do defensor público tem natureza de título executivo extrajudicial, podendo, assim, ser executado em caso de descumprimento:
LC 80/1994. Art. 4º. § 4º O instrumento de transação, mediação ou conciliação referendado pelo Defensor Público valerá como título executivo extrajudicial, inclusive quando celebrado com a pessoa jurídica de direito público.
CPC/2015. Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais: IV – o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal.
Dentre inúmeros exemplos reais de sucesso, cito caso envolvendo comunidade indígena no Amazonas, que resultou na resolução da questão, por meio da matrícula de cerca de 100 crianças indígenas em escola pública, além da instalação de local apropriado, dentro da própria comunidade, para atividades específicas da educação indígena.
A aproximação com a sociedade civil e grupos vulneráveis reforça o perfil de ombudsman da Defensoria Pública. Ainda nesse aspecto, importa observar que a busca pela solução extrajudicial não necessita aguardar a apresentação de uma demanda no órgão. Ciente de seu papel, o defensor público, como agente de transformação social, imbuído da função de promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico (artigo 4º, III da LC 80/94), deve levar à comunidade acesso ao conhecimento, acerca de seus direitos, capacitando, por meio de sua presença regular, agentes responsáveis por núcleos de mediação populares, com o objetivo de possibilitar a solução de pequenos conflitos pelos próprios moradores do local. A medida busca, portanto, a criação de uma cultura de autotutela, como alternativa à solução de conflitos via Poder Judiciário, inclusive como forma de permitir o aprimoramento qualitativo na prestação dos serviços na seara judicial, através da redução do número de demandas ajuizadas.
[1] TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 3. ed. São Paulo: Método, 2016. p. 148-149.
[2] TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 3. ed. São Paulo: Método, 2016. p. 148-153.
[3] SARMENTO, Daniel. Dimensões constitucionais da defensoria pública da união.
Por Edilson Santana Gonçalves Filho, defensor público federal e especialista em Direito Processual.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 9 de maio de 2017, 8h05
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