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A verdadeira democracia exige a participação social ampla e efetiva, não mais se admitindo a sua limitação à escolha periódica de governantes, nem à tomada de decisões na esfera estritamente política.
Desse modo, cabe à sociedade civil assumir seu verdadeiro papel nos rumos do desenvolvimento nacional, sem depender da interferência e da tutela estatais para todas e quaisquer questões. É certo que os conflitos são inerentes à dialética da vida em sociedade, bem como ao pluralismo de ideias e de interesses, mas a sua perpetuação não favorece a paz e a harmonia sociais.
Sendo assim, a pacificação das controvérsias, no contexto da democracia substancial, somente deve ficar na dependência do Estado quando os meios consensuais e estabelecidos pela própria sociedade organizada forem verdadeiramente incompatíveis, inadequados ou inviáveis.
Em outras palavras, a jurisdição, embora seja atividade, função e poder imprescindíveis ao bem comum, não pode mais ser vista como a forma predominante de pacificação dos conflitos. Isso fica nítido na recente evolução legislativa, que tem avançado na instituição e no incentivo de formas alternativas de solução de controvérsias, com destaque à conciliação, à mediação e à arbitragem, como se observa no Código de Processo Civil de 2015.
Nesse contexto, a Lei 13.140, de 26 de junho 2015, dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos na administração pública. A Lei 13.129, de 26 de maio de 2015, por sua vez, amplia o âmbito de aplicação da arbitragem na pacificação dos conflitos.
Esse movimento decorre do grau de maturidade alcançado pela sociedade, inserida no atual contexto democrático, o que a torna apta a instituir e manter mecanismos próprios e legítimos de pacificação, reservando ao Estado apenas os casos peculiares e de maior complexidade, que justifiquem a instauração de processo formal e a imposição de decisão judicial.
Afinal, ninguém melhor do que os próprios interessados, ainda que com o auxílio de mediador ou de conciliador, para estabelecer a justa solução de suas controvérsias, conhecedoras das especificidades das relações jurídicas envolvidas. Mesmo na arbitragem, embora a decisão seja proferida por um terceiro, ou seja, pelo árbitro, a sua previsão contratual ou a sua instauração decorrem de convenção das partes.
Não obstante, essa mesma evolução quanto aos mecanismos não jurisdicionais de pacificação dos conflitos não tem sido acompanhada no âmbito das relações de trabalho.
O que se observa na realidade brasileira é não só a manutenção, mas o crescimento da interferência estatal na resolução das controvérsias trabalhistas, ainda dependendo, cada vez mais, da imposição de tutela judicial.
A recente Lei 13.140/2015, na redação aprovada e sancionada, não é aplicável à esfera trabalhista, pois prevê que a mediação nas relações de trabalho deve ser regulada por lei própria (art. 42, parágrafo único), ainda inexistente.
O novo Código de Processo Civil, embora seja aplicável de forma supletiva e subsidiária ao processo do trabalho (art. 15), ao versar sobre os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação, determina a sua inscrição em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, sem fazer menção, ao menos expressamente, aos tribunais do trabalho.
Mesmo quanto à arbitragem, a jurisprudência tem entendido ser incompatível com os conflitos individuais de trabalho, pois os direitos seriam essencialmente indisponíveis. Apesar de ser expressamente admitida para a solução de conflitos coletivos, a arbitragem ainda é raramente utilizada pelos sujeitos envolvidos.
O Congresso Nacional havia aprovado dispositivo que permitia a arbitragem nos contratos individuais de trabalho de administradores e de diretores estatutários, com diversas exigências para se preservar a liberdade e a higidez da manifestação de vontade do empregado (PLS 406/2013 e PLC 7.108/2014). Essa previsão, entretanto, foi vetada.
Chegou o momento de a organização social, também no âmbito das relações envolvendo capital e trabalho, ter vida própria e autônoma, alcançando a pacificação dos seus conflitos sem depender, sempre, da tutela estatal, a qual deve incidir apenas de forma subsidiária.
É preciso se conscientizar do ensinamento universal, firmado na Encíclica Centesimus Annus, de que “uma sociedade de ordem superior não deve interferir na vida interna de uma sociedade de ordem inferior, privando-a das suas competências”, mas sim apoiá-la quando necessário e ajudá-la a coordenar a sua ação, objetivando o bem comum (João Paulo II, 1991, n. 48).
Há amplo espaço, assim, para a atuação legítima e democrática da sociedade civil, das organizações sindicais, das associações profissionais e dos representantes de trabalhadores nas empresas, em benefício da paz social.
Por Gustavo Filipe Barbosa Garcia, livre-docente pela Faculdade de Direito da USP e professor titular do centro universitário UDF. É pós-doutor e especialista em Direito pela Universidad de Sevilla e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Foi juiz do Trabalho e procurador do Trabalho.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2015, 11h16
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